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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O PAGANISMO E O SEU CULTO

O Paganismo e o seu culto
"Os lugares tenebrosos da terra estão cheios de moradas de crueldade", Salmo 74.20.

O assunto do presente volume apresenta-nos a época chamada "o período de Augusto". Essa época, começou com o reinado de César Augusto, nascido mais ou menos no ano 63 a.C. e compreende o período dos seus sucessores imediatos. Ela foi notável pela florescente condição da li­teratura e do saber e pelo próspero cultivo das belas artes.
O grande Júlio César, tio e predecessor de Augusto, ti­nha pelas armas vitoriosas tornado tributárias de Roma todas as nações circunvizinhas. Assim, o Império Romano, quando Augusto subiu ao trono, compreendia quase todo o mundo então conhecido.
A religião dessas nações, com a única exceção dos ju­deus, era o paganismo, numa ou noutra forma, que era também a religião da Roma Imperial. Com as suas armas, Roma levava seus deuses a outras nações e promovia-lhes culto. Por conveniência política, Roma adotava deuses de outras nações pagas, admitindo-os no seu Panteão. A índia longínqua, a Citia, a África Meridional e a China, ainda que não conquistadas, e por conseguinte não tributárias de Roma, eram também pagas. Não obstante as divindades adoradas nesses países serem diferentes em nome, os seus atributos e caracteres podiam facilmente identificar-se com os adorados no Império Romano.

O sistema pagão era Politeísta, isto é, eles adoravam muitos deuses. Geralmente, essas divindades eram repre­sentadas por qualquer forma humana, tais como Júpiter, rei do Olimpo, e muitos outros ídolos cujos nomes são, sem dúvida, familiares - Marte, Mercúrio, Netuno, Baco, Vulcano, Juno, Vênus e outros, que eram os deuses ou advoga­dos da guerra, do roubo, do deboche, da embriaguez. Ou­tros personificavam virtudes cívicas e domésticas.
Os deuses de Roma, os reis divinizados juntamente com deuses estrangeiros (tais como Isis, deusa dos egíp­cios) e com divindades menores ou semideuses, que presi­diam a países, cidades, rios, estações e colheitas, elevavam a centenas a lista dos "muitos senhores e muitos deuses", a quem, na época a que me refiro, o mundo civilizado rendia homenagem e prestava culto.
Poder-se-iam citar inumeráveis autores para provar o número e a inutilidade de tais divindades. Um escritor dessa época observa satiricamente: "É mais fácil achar um deus do que um homem "(1) Lívio, falando de Atenas, ca­pital da Grécia, diz que estava cheia de imagens de deuses e de homens enfeitados com toda a espécie de material e com toda a perícia da arte (2). Outro escritor declara: "Por todos os lados há altares, vítimas, templos e festas" (3).
Mas os romanos não adoravam somente os deuses que tinham inventado. Na sua ânsia por um Deus verdadeiro, "se porventura o pudessem achar", e tendo consciência de que devia haver algum mais digno da sua estima do que as vis criações da sua corrupta imaginação, ajuntaram aos milhares de altares mais um: o altar ao DEUS DESCO­NHECIDO.
Este fato nos é familiar pela narração de Lucas nos Atos dos Apóstolos, e inteiramente confirmado por escrito­res pagãos O espírito do apóstolo Paulo sentia-se como­vido em si mesmo, vendo a cidade de Atenas "toda entre­gue à idolatria" (5), e no seu discurso no Areópago Atenien­se, disse: "Indo passando, e vendo os vossos simulacros, achei também um altar em que se achava esta letra: AO DEUS DESCONHECIDO" (6).
O que havia em Atenas havia também em Roma, a ca­pital do mundo, pois nos é dito, pela autoridade de Minúcio Félix, que construíam altares a divindades desconheci­das. Tal era então a natureza politeísta do sistema pagão.
Falemos agora um pouco do caráter destes deuses, e da natureza do culto que lhes era prestado. Não há crime, por mais abominável que seja, que não lhes pudesse ser impu­tado. O seu caráter pode resumir-se nestes versos do poeta Pope:
"Deuses injustos, mutáveis, iracundos, Só na vingança e podridão fecundos".
O que eram os deuses, era o sistema com o qual esta­vam identificados; eram os efeitos sobre seus adeptos. Jul­guemos esse sistema pelas próprias bocas dos pagãos:
Aristóteles (7) aconselha que as estátuas e pinturas dos deuses não deveriam exibir cenas indecentes, exceto nos templos das divindades que presidiam a sensualidade. Como não deveriam estar as coisas, para ser necessário tal conselho? E qual o estado de espírito de um pagão esclare­cido que podia justificar tal exceção!
Petrônio informa-nos que os templos eram freqüen­tados, os altares eram enfeitados e as orações eram ofereci­das aos deuses, para que eles tornassem mais agradáveis os vícios desnaturados dos seus venerados.
O honesto Sêneca (8), revoltado contra o que presencia­va ao redor de si, exclama: "Quão grande é a loucura dos homens! Balbuciam as mais abomináveis orações, e, se al­guém se aproxima, calam-se logo; o que um homem não deveria ouvir eles não se envergonhavam de dizer aos deu­ses". Ainda mais: "Se alguém considera o que eles fazem e ao que se sujeitam, em vez da decência, encontrará a inde­cência; em vez da honra, a indignidade; em vez da razão, a insensatez".
E, para completar o testemunho dos pagãos, quanto ao caráter e efeitos do seu sistema, Platão declara: "0 homem tem-se tornado mais baixo que o mais vil dos animais".
Bem podia o apóstolo Paulo, escrevendo aos romanos durante o período a que nos referimos, usar a terrível lin­guagem contida no lº capítulo da Epístola, pois tudo é confirmado pelo testemunho de escritores pagãos. Bem po­dia Paulo atribuir tudo ao sistema religioso de Roma e ao caráter de seus deuses, e afirmar que era por isso que mu­davam a glória do Deus incorruptível em semelhança e fi­gura do homem corruptível, de aves, de quadrúpedes e de serpentes; pelo que os entregou Deus aos desejos dos seus corações, à imundície, pois não deram provas de que tives­sem o conhecimento de Deus. Foram entregues por Deus a um sentimento depravado, para que fizessem coisas que não convém; cheios de iniqüidade, de malícia, de imorali­dade, de avareza, de maldade, de inveja, de contendas, de engano, de malignidade; tornaram-se homicidas, mexeriqueiros, murmuradores, aborrecidos de Deus, contumeliosos, soberbos, altivos, inventores de males, desobedientes a seus pais, insipientes, imodestos, sem benevolência, sem palavra, sem misericórdia (9).
Bastaria citar este trecho de Paulo para provar a nossa tese. Porém, como pode ser que haja alguns que não investigaram a irrespondível evidência em que se baseia a au­tenticidade dos escritos inspirados, julgamos útil apresen­tar aos leitores o testemunho combinado, o pagão e o cris­tão. Pedimos lerem com atenção o capítulo citado; ajudará a apreciar o contraste que será apresentado num capítulo subseqüente.
Quanto ao caráter dos antigos ídolos pagãos, fora dos li­mites do Império Romano, não temos tantas informações; existe, porém, evidência suficiente para provar que o paga­nismo oriental era tão vil e degradante como o da Grécia e de Roma, sem se ter até agora alterado profundamente. Podemos estudá-lo pela observação atual. Citarei somente uma passagem: um documento público apresentado ao Parlamento por um magistrado de Bengala Meridional, na índia (,0), fala da adoração da deusa Kalé, dizendo: "O as­sassino, o ladrão e a prostituta, todos aspiram a propiciar um deus cujo culto seja a obscenidade e que se deleite no sangue do homem e dos animais, e a quem possam implo­rar auxílio para cometerem os seus crimes".
Havia, sem dúvida, exceções a esta regra quanto aos atributos dos deuses pagãos. Algumas daquelas divinda­des personificavam virtudes; havia homens melhores do que o sistema que prevalecia. As exceções eram raras e so­bressaem nos anais da história com tanto brilho quanto à sua raridade.
Estes homens excepcionais eram virtuosos em razão da luz ainda não extinta na sua natureza decaída; eram vir­tuosos apesar do seu sistema religioso e não por causa dele. Dionísio de Halicarnasso diz: "Há somente uns poucos que chegaram a ser mestres de filosofia; por outro lado, a gran­de e ignorante massa popular está mais propensa a encarar essas narrativas (as vidas dos deuses) pelo lado pior e a desprezar os deuses como seres que se transformam nas mais crassas abominações, ou a não temer praticar as maiores baixezas, crendo que os deuses as praticam também” (11).
Tais eram os deuses do paganismo e tais os efei­tos naturais do seu caráter sobre os seus devotos.
Observamos que o sistema pagão como o judaico era sacerdotal, administrado por um sacerdócio. Entre os pa­gãos, o sacerdote, que podia ser homem ou mulher, era o mediador entre o povo e as divindades: a elas oferecia ora­ções e fazia sacrifícios. Em nome delas interpretava si­nais, oferecia presságios e revelava a vontade dos deuses, além de exercer certas funções judiciais.
O culto consistia na prática de certos atos ou ritos exte­riores. Era, por outras palavras, exclusivamente externo ou cerimonial. Não existe uma única prova de que ensinas­sem a moral (12). Os ritos compreendiam sacrifícios, ofertas, orações, incensos, peregrinações a lugares santos ou relicários; procissões em honra dos deuses; jejuns, abstinências, mortificações, penitências, observância de festas e fre­qüentemente práticas viciosas, como as acima referidas.
Esses ritos eram custosos, exigindo sacrifício da parte dos que os seguiam, conforme a posição de cada um. Os seus benefícios aproveitavam mais aos ricos que aos pobres. Não só eram, na maioria das vezes, abominavelmente impuros, mas também barbaramente cruéis. Acerca da
imoralidade das cerimônias é impossível falar. Mas mesmo que fossem descritos, não seriam acreditadas, se não fizessem longas citações de historiadores autorizados.
Afirme-se desde já que o Cristianismo baniu o conhe­cimento dos vícios cometidos publicamente nessa época, vícios que não somente não produziam o descrédito daque­les que os praticavam, mas que faziam parte dos seus ritos religiosos e que, em alguns casos, eram obrigatórios e nou­tros, tidos como honrosos e meritórios. É uma bênção se­rem agora mortas as línguas em que essas coisas foram es­critas! Mas, não devemos esquecer as lições que elas nos ensinam.
Dissemos que os ritos pagãos eram muitas vezes barba­ramente cruéis. Referimo-nos principalmente à práti­ca de oferecer sacrifícios humanos: e essa prática, se­gundo a história antiga, parece ter sido universal. Não é conhecida a data em que essa abominação foi introduzida, mas, sem dúvida, foi pouco depois do princípio do mundo. Os cananeus, há 3300 anos, a praticavam, oferecendo seus filhos aos ídolos de Canaã,especialmente a Moloque (13). Foi evidentemente este um dos crimes pelos quais o Todo-poderoso mandou destruir aquele povo: "Não darás ne­nhum de teus filhos para ser consagrado ao ídolo Molo­que... porque todas estas execrações cometeram os habi­tantes desta terra, que foram antes de vós, e com elas a contaminaram. Vede, pois, não suceda... como ela vomi­tou a gente que houve antes de vós, vos vomite também a vós, se fizerdes outro tanto" (14).
É necessário explicar que a expressão usada nas nossas Bíblias, "consagrar os filhos ao ídolo Moloque quer dizer queimar as crianças em honra dessa divindade (15). Sobre este ponto não há dúvida. Moloque, Moleque, Malcom ou Milcom, como chamado, era o planeta Saturno divinizado. O seu culto existia principalmente entre os primitivos habi­tantes de Canaã, e entre os amonitas, fenícios e cartagineses O ídolo consistia numa estátua de latão, sob a forma de homem com cabeça de touro; tinha os braços estendidos para a frente, um pouco abaixados. Os pais colocavam seus filhos nas mãos do ídolo. Dali a criança caía numa for­nalha onde morria queimada. Durante a cerimônia, toca­vam tambores e trombetas para abafar os gritos dos ino­centes. Algumas vezes o ídolo era oco. Aquecido até ao rubro por fogo colocado dentro, as crianças eram então queimadas nas mãos em brasa da estátua.
Apesar de ter o Todo-poderoso proibido expressamente esses crimes, os judeus praticaram-no por vezes, espe­cialmente nos reinados de Acaz e de Manasses. Erigiram o ídolo no vale ao sul de Jerusalém, chamado Enon, mais tarde denominado Tofete ou Tambores em conseqüência da prática dessa abominação, e em referência aos tambo­res que tocavam para sufocar os gritos das vítimas (16). Mais tarde, o lugar veio a ser tão aborrecido pelos judeus, que deram a ele o nome de "Ge-hinnon" ou Geena, lugar de castigo na vida futura, isto é, o Inferno. De maneira que, na opinião destes judeus, bastava praticar tais abominações pagas para fazer da terra um inferno (17).
Continuemos a indagar da prática de sacrifícios huma­nos. Principiemos pelos gregos civilizados e filósofos. Agamenon, rei de Micenas, ofereceu sua filha Efigênia, a fim de obter uma brisa favorável para poder atravessar um mar mais estreito que o Canal da Mancha; e, na sua volta, ainda ofereceu outro sacrifício humano. Os atenienses e os massalianos ofereciam anualmente um homem a Netuno. Menelau, rei de Esparta, sendo detido por ventos contrá­rios, ofereceu duas crianças egípcias. A história relata-nos que muitos dos estados gregos ofereciam vítimas humanas antes de empreenderem uma expedição ou guerra. Em Ro­des ofereciam um homem a Crono, deus semelhante a Mo­loque, no dia 6 de julho de cada ano; em Salamina, ofere­ciam também um homem em março de cada ano; em Chios e Tenedos despedaçavam anualmente uma vítima humana. Na Ática, Ereteu sacrificou sua filha; Aristides sacrificou três sobrinhos do rei da Pérsia; Temístocles sacrificou várias pessoas nobres. Note bem! estes homens não eram selvagens, mas tidos em seus dias como sábios, justos e bons.
Na Tessália, ofereciam-se sacrifícios humanos; os palagianos, em tempo de escassez, ofereciam a décima parte de seus filhos; na Crimeia e no Tauro, cada naufrágio estran­geiro, em vez de ser recebido com hospitalidade, era sacri­ficado a Diana. 0 templo desta deusa em Arícia, era sem­pre servido por um sacerdote, que tinha matado o seu an­tecessor; e os lacedemônios anualmente ofereciam vítimas humanas a Diana até o tempo de Licurgo, que mudou esse costume pelo açoite. No entanto, as crianças eram muitas vezes flageladas até morrer.
Passemos agora dos gregos e seus vizinhos para o impé­rio de Roma. A história nos informa que, embora não tão freqüentemente, houve sacrifícios humanos por muitos e muitos anos.
Em Roma, era costume sacrificar anualmente trinta homens, atirando-os ao Tibre, para obter o progresso da ci­dade. Tito Lívio menciona que dois homens e duas mulhe­res foram enterrados vivos para evitar calamidades públi­cas. Plutarco descreve um sacrifício semelhante; e Caio Mário ofereceu sua filha Calpúrnia para ser bem sucedido numa expedição contra os címbricos. É verdade que no ano 96 a.C. foi publicada uma lei para sustar essas práticas, o que prova que o costume existia. Além disso, o sacerdote pagão mostrava-se muitas vezes mais forte que o magistra­do civil, de modo que, embora a lei tivesse sido promulga­da, o costume não foi abolido. Muitos casos de sacrifícios humanos são mencionados até ao ano 300 da nossa era -quase 400 anos depois da publicação da lei (18).
Da Grécia e de Roma passemos a outras nações antigas, e indaguemos quais eram a este respeito as praticas do pa­ganismo. Entre os habitantes de Tiro, o rei oferecia o filho para obter prosperidade; pela Escritura Sagrada sabemos que os moabitas também tinham tal costume. Na ocasião da derrota do rei de Moabe pelos exércitos aliados de Judá e Israel, o rei de Moabe ofereceu em sacrifício seu filho pri­mogênito, que havia de reinar depois dele. No tempo do Novo Testamento, Pilatos misturou o sangue de certos galileus com os seus sacrifícios.
Os cartagineses seguiram esse costume. Em ocasiões extraordinárias, ofereciam multidões de vítimas humanas: durante uma batalha entre sicilianos e cartagineses, estes, sob o comando de Amílcar, ficaram no campo oferecendo sacrifícios às divindades do seu país, e consumindo sobre uma grande fogueira os corpos de numerosas vítimas (19). Outra vez, quando Agatocles estava para sitiar Cartago, os seus habitantes, temendo que suas desgraças fossem por causa da ira de Saturno, por lhe terem oferecido somente filhos de escravos e estrangeiros, em vez de crianças nobres, sacrificaram duzentas crianças das melhores famí­lias, a fim de propiciar a divindade ofendida. Trezentos ci­dadãos imolaram-se voluntariamente na mesma ocasião (20). Doutra vez, para celebrar uma vitória, o mesmo povo imolou os mais perfeitos e mais formosos dos seus cativos, e as chamas da fogueira foram tão grandes que lhes incen­diaram o acampamento (21) Tertuliano, escritor cristão, diz que sacrifícios humanos eram comuns na Arcádia e em Cartago nos seus dias, isto é, no terceiro século da era cris­tã.
Agora voltemos ao Oriente.
No Egito havia sacrifícios de vítimas humanas, cujas cinzas eram espalhadas pelas terras para se conseguir a fertilidade do solo; os escolhidos eram homens de cabelo ruivo. Durante a dinastia dos Hiksos, conta Maneto que diariamente eram sacrificadas três pessoas, isto é, mais de mil por ano. Entre os persas, sabemos que existia o mesmo costume. Quando Anestris, mulher de Xerxes, chegou à idade de 50 anos, como ação de graças aos deuses (22), en­terraram vivas 14 crianças.
Quanto aos assírios, não possuímos ainda informação suficiente acerca da sua mitologia, para poder dizer com certeza que os sacrifícios humanos formavam uma parte do seu sistema religioso, mas as recentes descobertas em Nínive, e o desvendamento da linguagem escrita dos assí­rios pelo coronel Rawlinson e outros, indicam-nos que eles adoravam deuses aos quais, em outros países, ofereciam sacrifícios humanos (23). É evidente que os assírios não fa­ziam exceção à regra quanto à crueldade do paganismo, pois das decorações de seus palácios reais fazem parte ima­gens representando o esfolar pessoas vivas e outros atos atrozes de crueldade.
Falando dos indus e chineses, será mais útil citar as suas práticas recentes, visto como poucos dos seus antigos escritos chegaram até nós. Dos indus, mesmo sob o domí­nio europeu, consta de documentos oficiais - os registros públicos de Bengala - que, entre os anos de 1815 e 1824, 5997 viúvas foram queimadas vivas. Tal crueldade ainda se pratica em lugares muito interiorizados. Também era comum afogar e enterrar pessoas vivas. Os chineses, em Tonkin, sacrificavam crianças cortando-as ao meio ou envenenando-as; e em Laus, quando fundavam um templo, a obra era cimentada com o sangue do primeiro estrangeiro que por ali passasse. Também atiravam as crianças aos rios como sacrifício oferecido às águas.
Voltemos agora para o norte da Europa e vejamos quais os costumes e práticas dos pagãos. Raras são as fontes de onde podemos obter fatos, mas temos o suficiente para ti­rarmos provas bastantes das práticas pagas em toda a sua hediondez. Harold, rei saxônio, matou dois de seus filhos para obter uma tempestade que fizesse naufragar a esquadra dos dinamarqueses. Na Rússia, ainda no século X, um homem foi escolhido à sorte e sacrificado, a fim de aplacar a ira dos deuses. Na Zelândia, sacrificavam anualmente 99 pessoas ao deus Swan-to-wite. Na Dinamarca, era sacrifi­cado o mesmo número de homens. Os escandinavos sacrifi­cavam todos os cativos a Odim. Os sacerdotes eslavos não somente matavam vítimas humanas como também bebiam o seu sangue.
O modo de destruir a vida diferia, mas o princípio era o mesmo e parece ter sido universal. Os gauleses matavam com um golpe de machado, dado de tal maneira que a víti­ma ainda ficasse viva, para obterem presságios por meio das suas convulsões. Os celtas colocavam as suas vítimas num altar e abriam-lhes o peito com uma espada; os címbricos estripavam as vítimas; os noruegueses tiravam-lhes fora os miolos com o jugo de um boi. Os islandeses crivavam as vítimas de setas. Na Bretanha, os druídas fa­ziam uma figura de vime de forma humana, que enchiam de vítimas e deitavam-lhe fogo, como descreve César: "Al­guns usam imagens enormes, cujos membros são feitos de vime e cheios de criaturas vivas; pondo-lhes fogo, as cha­mas destroem essas criaturas... Quando não há número su­ficiente de criminosos, não têm escrúpulo de torturar os inocentes" (24).
Os pormenores não são só revoltantes, mas enfadonhos. Contudo, não se pode considerar completa esta parte do assunto sem lançar a vista sobre países que podem ser clas­sificados como da antigüidade, não obstante quase nada sabermos da sua história antiga, porque a sua religião é, ou era até pouco tempo, paga em todo o sentido. Esses estão, especialmente na América, na África e nas ilhas do Pa­cífico. No México parece que a brutalidade de sacri­ficar vítimas humanas chegou ao máximo. Nenhum au­tor calcula o número anual de vítimas em menos de 20.000 e alguns o elevam a 50.000. Em ocasiões solenes, o número de sacrificados chegava a ser pavoroso. Na dedi­cação do grande templo Huitzilopolchli, no ano de 1486, os prisioneiros, que já de longa data tinham sido reserva­dos para esse fim, dispostos em fileiras, formavam uma li­nha de cerca de duas milhas de comprimento. A cerimônia durou alguns dias, e diz-se que 70.000 homens foram mor­tos. Os companheiros de Cortez, o conquistador do Méxi­co, contaram num dos templos 136.000 caveiras.
Quando perguntaram a Montezuma, último imperador do México, por que razão consentia que a república de Tlascala mantivesse a sua independência, respondeu que era para que lhe fornecesse vítimas para os deuses" (25). No tempo da seca, para propiciar Theloc, deus da chuva, as crianças eram sacrificadas vestidas de roupas finas, e adornadas de flores de primavera. Escritores narram que os gritos dessas inocentes, quando levadas em liteiras para o lugar da matança, comoveriam os corações mais duros. Mas não podiam comover os corações duros dos sacerdotes pagãos, que, como os devotos de Moloque, sufocavam os gritos das criancinhas com ruidosas músicas e cantos. Es­tas vítimas inocentes eram geralmente compradas pelos sacerdotes a seus pais pobres. E pais havia que vendiam os seus filhos! Isto era a repetição do antigo paganismo (26). "Sem benevolência, sem misericórdia", é realmente a jus­ta qualificação dada pelo apóstolo inspirado. A tribo Fanti e muitas outras da África ofereciam sacrifícios humanos em cada lua nova. Em Assanti, a adoração de tubarões e cobras era acompanhada de sacrifícios humanos em suas formas mais pavorosas (27). Um rei ali deu instruções para o morticínio de 6.000 escravos no seu funeral, e o seu testa­mento hediondo foi executado. Essa prática existia em to­das as ilhas do Pacífico. Em Otaeite, grande número de pessoas foram mortas, depois de lhes tirarem os olhos, para os oferecerem ao rei. Nas ilhas Marquesas, principalmente nas ilhas Harvey e Pallisay, e nas da Nova Zelândia, não somente sacrificavam os seus inimigos, mas devoravam-nos. 



Não forma parte deste livro indagar por que a prática de sacrifícios, particularmente de sacrifícios humanos, se generalizou. Basta observar que não há prática alguma do paganismo para a qual não se encontre um fundamento de verdade. Assim, os sacrifícios oferecidos pelos judeus ou pelos pagãos, evidenciavam três grandes verdades. Pri­meira, que o homem tinha ofendido o seu Deus; segunda, que alguma expiação devia ser oferecida, ou alguma com­pensação feita para satisfazer a lei ofendida; terceira, que bastaria uma expiação substitutiva - isto é, que uma víti­ma inocente fosse oferecida em lugar do pecador.
Estas idéias parecem ter existido universalmente; não há praticamente região no mundo onde não se encontrem. Sem dúvida, derivam da revelação divina feita ao homem no princípio da sua existência, como o método destinado a efetuar a reconciliação entre o homem decaído e o seu Criador ofendido. A verdade, porém, corrompeu-se, mas a consciência humana despertando incessantemente seus te­mores criminosos, evitou que a idéia se perdesse de todo. Sentindo a necessidade de um sacrifício de valor, e perden­do de vista o sacrifício perfeito que Deus prometera prepa­rar, o homem buscou no sacrifício da vida humana um sa­crifício adequado à sua culpa, e, assim, espalhou a prática de sacrificar "o fruto do corpo pelo pecado da alma".
Não é, contudo, a origem das idéias pagas, mas o esta­do do mundo pagão, que estamos desenvolvendo. Se tais eram os ritos religiosos, qual seria a condição social e moral dos pagãos no período que estamos considerando?! A voz da história, se a ouvirmos atentamente, mesmo descontan­do os excessos das hipérboles e as inexatidões históricas, assegura-nos que a condição social do povo era extrema­mente miserável e rebaixada. O infanticídio predominava quase tão universalmente como as práticas a que aludi­mos. Não somente em países bárbaros, mas na culta Gré­cia e na civilizada Roma.
Entre os atenienses e gauleses, as leis autorizavam os pais a destruírem os filhos. Em Esparta, as leis de Licurgo obrigavam o pai a levar os filhos perante uma comissão examinadora; se esta os achasse desfigurados ou fracos, eram lançados numa caverna profunda, perto do monte Taigeto. Aristóteles diz: "É necessário expor (isto é, deixar morrer) crianças fracas e doentes, para evitar um aumento demasiado rápido de cidadãos". Platão, na sua República, diz que as crianças fracas não devem ver a luz. Também em Roma, as leis davam autoridade aos pais para tirarem a vida de seus filhos. Erixo e Ário, cidadãos romanos, ma­taram cada um seu filho a pancadas (28)e Tertuliano afir­ma que os romanos expunham seus filhos, à morte, afogando-os ou deixando-os perecer à fome ou, devorados pelos cães. Cícero e Sêneca falam dessas práticas; tratam-nas, porém, como corriqueiras: não as censuram nem as comen­tam. Terêncio descreve um certo Cremes como "um ho­mem de grande benevolência" e no entanto apresenta-o or­denando à sua mulher que matasse seu filho recém-nascido. E mostra que Cremes encolerizou-se por ter a es­posa encarregado outra pessoa de executar o ato (29).
Citemos o testemunho do escritor Gibeon. Este teste­munho é tanto mais valioso quanto é certo que ele se esfor­çou por pintar o paganismo com belas cores para prejuízo do cristianismo. Diz: "O costume de matar crianças era o vício obstinado e predominante da antigüidade; às vezes era imposto, outras permitido e sempre impunemente, ainda mesmo em nações que nunca admitiram as idéias ro­manas do poder paternal". Os poetas dramáticos, que às vezes apelam para o coração humano, representam com indiferença aquele costume popular, que era seguido por motivos de economia (™).
Vejamos agora qual era a condição social da mulher no paganismo. Em toda a parte a mulher era considerada como inferior ao homem. No Hindustão, na China e nos mares do Sul, por essa razão, ainda há pouco destruíam crianças do sexo feminino. Em Bengala suspendiam as meninas recém-nascidas nos ramos das árvores em cestas, e assim pereciam comidas pelas formigas, moscas e aves
de rapina. Tal era a condição do sexo feminino na infância. Se sobrevivesse a mulher era levada a um ínfimo ponto. Aristóteles escreve: "As mulheres são uma espécie de monstros - o começo da degeneração da nossa natureza".
A poligamia, isto é, o costume de ter muitas mulheres a um tempo, ainda que proibida pelas leis de alguns países, era quase universal. Não há necessidade de demonstrar que tal prática é evidentemente contrária à natureza, que dá igualdade quase absoluta a ambos os sexos. Nem tão pouco é preciso dizer que é uma prática degradante para a mulher, pois trata-a como se fosse incapaz da afeição que tanto distingue o seu sexo. 
A mulher era definida pelas leis de Roma, não como pessoa, mas como coisa e, se faltasse o título da sua posse, poderia reclamar-se como quaisquer móveis (31) - Era trata­da como escrava do homem e não como sua companheira e amiga; era comprada, vendida, trocada, desposada, casa­da, divorciada e separada de seus filhos, sem seu consenti­mento; muitas vezes sem misericórdia; à vontade do capri­cho de seu senhor. Ele podia legalmente matá-la, ainda que fosse por ter provado do seu vinho ou por ter usado suas chaves (32).
Não deixará de ser proveitoso prestar atenção ao teste­munho vivo de um que estudou a condição da mulher de­baixo da influência do paganismo moderno "Verda­deiramente", disse o Dr. Vidal, "a vida de uma mulher india­na, desde o berço até a sepultura é de miséria. Quem não tem ouvido a narração triste e comovedora da menina, criança e já desposada com um homem que não tem inte­resse por ela e sobre quem ela somente lança olhares de terror?! Desde o dia do seu infantil casamento, é obrigada a ser uma pobre escrava, vil e deprimida, servindo ao seu senhor com submissão e silêncio; cumprindo toda a vonta­de dele, sem ouvir uma única palavra de agradecimento; sem conforto, e, naquele dia terrível, quando a morte arre­batar o seu tirano, está obrigada a ser queimada com ele, como holocausto vivo; ou a ser enterrada viva ao seu lado na sepultura! (34).
"Ou, ainda: Não ouvimos nós também falar das fi­lhas da índia, que, pondo de lado o sentimento e ternura femininas, seguem o culto satânico de Peyadi, com todas as suas horríveis práticas, bebendo o sangue das vítimas até a intoxicação e dançando em roda em louco frenesim, até caírem ao chão exaustas? Desgraçadas, são vítimas das suas próprias imaginações ferozes e terríveis e daquele mau espírito a quem se dedicam. Quando uma delas é in­terrogada a respeito da sua alma, a resposta ignara é: - Mi­nha alma! Que alma tenho eu? Eu sou apenas uma mu­lher.
"Voltemo-nos para o Oriente, para as multidões com­pactas da China. Como se trata aí a mulher? Oh! que his­tória de pesar revela esse simples fato que descobrimos logo à chegada; que nos impressiona desde o momento em que pomos os pés em terra! Referimo-nos ao terrível costu­me do infanticídio feminino, em razão do qual a menina recém-nascida é logo condenada à morte, assassinada sem compaixão, como se isso fosse uma necessidade inevitável devido ao seu sexo! Na China é considerado uma desgraça o ser pai de uma menina. Onde metade das meninas são vítimas desse terrível costume, o que se pode esperar com referência à sorte das sobreviventes?! Assim rebaixada, desprezada, considerada imprópria para a vida, uma ver­gonha e ignomínia para a família, da qual ela deveria ser o ornato e a honra, a chinesa bem pode ser descrita juntando os seus lamentos aos das suas irmãs maometanas da ín­dia". (*)
Poderíamos enfadar os leitores com narrações de cruel­dade e derramamento de sangue, frutos da noção paga da posição social da mulher. Porém cremos que já foi dito o bastante para provar que a mulher pelo menos, tem ganho muito desde que foi libertada, pelo cristianismo, da in­fluência do paganismo. Talvez imaginem que só temos fa­lado da miséria das crianças e das mulheres sob a influên­cia do paganismo, mas também temos algo a dizer quanto à condição social e moral da sociedade. Isso será o assunto no capítulo seguinte. 

EXTRAÍDO DO LIVRO:
AS CATACUMBAS DE ROMA - BENJAMIM SCCOT




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