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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A Sociedade sob a influência do Paganismo


A Sociedade sob a influência do Paganismo

"Eles são cruéis e não usarão de misericórdia",
Jeremias 6.23.
Em todas as pinturas há pontos que atraem a nossa atenção pela maneira como se salientam. Assim é quanto à pintura que a história e a literatura nos deixaram do paga­nismo. Ao começarmos a análise, ficamos surpreendidos com os atos isolados de crueldade ou injustiça para com certas classes e, particularmente, para com os desampara­dos. Continuando a estudar e a refletir, ficamos impressio­nados com a depravação geral, mísera degradação e degeneração da sociedade, desde o imperador ao escravo. Ra­ciocinando sobre a matéria, chegamos à conclusão eviden­te de que, se todas as classes e ambos os sexos não se tives­sem igualmente degenerado, um protesto indignado de al­guma classe se teria levantado por cima dos clamores de miséria e denunciado aquelas orgias e devassidões.
Mão são precisos fatos para justificar o que acima ficou dito. Portanto, forneceremos alguns casos que podem dar testemunho esmagador; primeiro referentes aos governan­tes, depois aos homens livres, e, finalmente, aos escravos.
A história da vida dos imperadores romanos, de suas famílias e parentes, com poucas, e, portanto, notáveis exceções, expõe todos os vícios, que a natureza decaída é ca­paz de praticar. O livro que publicasse a biografia desses pervertidos, suas páginas seriam enegrecidas. Como esses imperadores eram elevados ao trono por eleição popular, a moral deles refletia a própria moral do povo.
Vejamos alguns atos dos maiores Césares.
Júlio César, o feliz soldado e talentoso general, matou na guerra, principalmente para seu benefício pessoal e sa­tisfação da sua ambição desordenada, mais de um milhão e cem mil homens (1), e corrompeu, segundo declaração de um célebre historiador, metade das senhoras de posição e influência de Roma. "César", diz ele, "que matava os agentes de seus crimes se eles falhassem em destreza; Cé­sar, o amanate de cada mulher... é tido como grande ho­mem por uma multidão de escritores. Os talentos deste ho­mem singular e a boa fortuna que constantemente o bafe­jou até o momento do seu assassinato, encobriram a hediondez de suas ações (2).
César Augusto, um dos melhores imperadores, era réu de adultério covarde e de vergonhosa libertinagem; a sua única filha, Júlia, tornou-se infame pela sua conduta e foi banida por seu pai, que lhe havia dado o exemplo.

Tibério, que sucedeu a Augusto, foi o símbolo de cruel­dade, intemperança e devassidão. Não somente os seus pa­rentes e amigos, mas também os grandes e opulentos membros da aristocracia, foram sacrificados à sua ambi­ção, atrocidade e avareza. Quase que não havia em Roma uma só família que não o amaldiçoasse pela perda de um irmão, pai ou marido. Finalmente retirou-se para a ilha de Cáprea, na costa da Campânia, onde mergulhou em prazeres repugnantes. No seu retiro solitário propôs recompen­sas aos que inventassem novos prazeres ou pudessem pro­duzir a volúpia. Arruinou-se pela prática de vícios contrá­rios à natureza e que fariam corar o mais depravado mor­tal. A sua intemperança era tal, que Sêneca, espirituosa-mente, observa que "ele nunca se embebedou senão uma só vez na vida, porque continuou num estado perpétuo de embriaguez desde o dia em que se entregou ao vício de be­ber até o último momento da sua existência".
Apesar de tudo isso, Tibério, como seus predecessores Júlio e Augusto, e muitos dos seus sucessores, foram, de­pois de mortos, elevados à dignidade de deuses e adorados como divindades em Roma. Se tais eram os vossos deuses, ó cidadãos romanos, em que condições estaríeis?!
Calígula, o imperador que se seguiu, cometeu atos de impiedade, crueldade e extravagância atrocíssimos. Co­meçou a carreira da perversidade matando alguns paren­tes, alguns senadores e pessoas de posição. Descarada­mente, casou-se com a sua própria irmã Drusila; e, na morte dela, ordenou que se lhe prestassem honras divinas em templos construídos especialmente para ela. Para um cavalo favorito que ele tinha, erigiu um palácio com uma cocheira de mármore e com as grades da mangedoura de marfim. Alimentava esse animal com cevada dourada numa vasilha de ouro. Introduzia no templo esse cavalo, paramentado de sacerdote de Júpiter, e ordenou que ofere­cessem sacrifícios a si, à sua mulher e ao seu cavalo. Ca­sou-se com várias mulheres, que ia abandonando uma após outra. A crueldade veio a ser nele um hábito. Certa ocasião deu ordens para um assassinato, com as seguintes palavras: "Feri-o de tal maneira que ele possa sentir a pre­sença da morte". Noutra ocasião exclamou: "Oxalá que o povo romano tivesse somente uma cabeça, que eu pudesse cortar de uma só vez". Parece, como observa Sêneca, que ele foi trazido pela natureza com o fim especial de mostrar quanto mal poderia ser executado pela depravação supor­tada pelos mais altos poderes (3).
Cláudio, evidentemente pela natureza de uma disposi­ção fraca e inofensiva, começou o seu reinado de maneira a reparar, em parte, o caráter da sua classe; porém sua mu­lher, Messalina, fornece-nos uma ilustração da condição social e moral da aristocracia daquele tempo. Ela comple­tou o que faltava ao imperador. O nome Messalina ficou infamado e representa tudo que há de mais baixo no seu sexo. Não era menos notória pela crueldade, que pela in­fluência sobre o imperador, e pelos atos que praticava em nome dele. Conseguiu a morte de Áppio Silano, que se ha­via casado com a sogra do imperador, a de Silano e a de Pompeu, seus genros; e de suas duas sobrinhas, as Lívias. Suetônio também informa-nos que Cláudio mandou execu­tar trinta e cinco senadores e mais de trezentos cavaleiros.
O acontecimento mais extraordinário do seu tempo foi o casamento público de Messalina, a imperatriz, com um jovem nobre chamado Sílio, à beira-mar, durante a ausên­cia temporária do imperador. Aquela mulher depravada, descontente com a ostentação descarada da sua afeição pelo amante, resolvera, por este modo, mostrar o seu des­dém por todas as exigências sociais. Casaram-se à vista da cidade inteira, com todas as cerimônias imperiais de cos­tume. Qual não seria a condição moral do povo que podia, com aplauso e sem protesto, presenciar tal conduta nos primeiros lugares da sociedade? Messalina foi executada, casando-se o imperador com sua sobrinha, que se esforçou por imitar a conduta da tia, e assim envenenou o marido imperial (4).
Nero sucedeu a Cláudio. Basta o nome Nero para com­pletar o catálogo. Parece ter alcançado uma evidência nunca excedida em tudo que é abominável à natureza hu­mana. À noite, freqüentava, disfarçado, todos os lugares de libertinagem que havia em Roma; representava publi­camente nos teatros; em estado de nudez batia-se nos jo­gos públicos, e, perante a multidão dos espectadores, pra­ticava as maiores obscenidades concelúveis, mas não descritíveis. Mandou incendiar diversos bairros de Roma, e, durante alguns dias, regozijou-se com o terrível espetáculo a que a sua barbaridade atroz tinha dado lugar, tocando em uma lira e cantando, no alto do seu palácio, a destrui­ção de Tróia. Para cúmulo da sua selvageria, tendo falha­do um plano desse monstro para afogar a própria mãe, mandou assassiná-la (5).
Tais foram os principais imperadores de Roma. A con­tinuação deste inquérito seria muito fastidiosa, e o resulta­do seria o mesmo. Ainda que um Tito, um Nerva e um Trajano se levantassem, em intervalos, para variar a histó­ria, aparece também um Domiciano, insistindo em ser in­titulado deus, porém dado ao incesto e a matar moscas; um Cômodo, que desonrou suas irmãs e cortou os narizes aos seus cortesãos, sob pretexto de fazer-lhes a barba; um Caracala, que assassinou a mulher e o próprio irmão nos braços da mãe, e um Heliogábalo, que escolheu um senado de mulheres ordinárias, e elevou o seu cavalo à dignidade de cônsul. Esses confirmam as nossas declarações sobre a condição moral e social dos que tinham as rédeas do gover­no de Roma.
O que está dito dá idéia da condição geral daquela so­ciedade. Os romanos, como povo, deveriam estar extraor­dinariamente corrompidos para serem incapazes de se pro­tegerem da tirania e de vícios tão detestáveis, exercidos pelos seus imperadores. Só a extrema degeneração do povo poderia privá-lo de todos os princípios de moral e de senti­mentos sãos, para suportarem tais excessos do poder abso­luto. Onde houver uma opinião pública generosa e viril, aí geralmente haverá respeito às leis sociais, pelas exigências da decência, mesmo em estados não tão livres como o era a Roma antiga.
O estado moral de um povo pode ser convenientemente avaliado pelo modo como passa as suas horas de recreio, e pelo caráter das diversões que são do gosto popular. A este respeito a história nos oferece evidências abundantes sobre a moralidade aviltante do povo romano. Os seus diverti­mentos consistiam principalmente em jogos públicos, rea­lizados nos espaçosos coliseus, sempre acompanhados de indecências vergonhosas ou de horríveis crueldades com perdas de vidas. Quanto às representações, é suficiente de­clarar que havia tumultos, quando, pelo respeito ao bem comum, tentavam reformar os abusos. Algumas palavras acerca dos seus jogos cruéis e particularmente sobre os combates de gladiadores, não deixarão de ser instrutivas.
Em tempos remotos encontra-se o costume de matar animais domésticos, cativos e escravos sobre os túmulos de reis e chefes falecidos, costume que parece ter existido em nações bem separadas umas das outras. Esse hábito preva­lecia há pouco entre tribos africanas e índios americanos. Poder-se-iam citar numerosos exemplos: Aquiles honrou a pira de seu amigo Patroclus; na pira do rei da Assíria, mencionado por Diodorus, todas as mulheres do rei foram queimadas; o sacrifício das viúvas indianas, e, no funeral da mãe do rei de Ashantee em 1817, quando três mil seres humanos foram imolados. O costume, porém, era tão do gosto duma plebe cruel, que veio a ser um divertimento. Jogos sanguinários e exibições gladiatórias eram vulgares em Roma já no tempo da república, assumindo, porém, sob os imperadores, uma grandeza que causa espanto e pa­rece impossível.
Os jogos consistiam em lutar entre animais ferozes, ou entre homens e animais, e também entre homens. Vários edifícios eram destinados a essas exibições cruéis. O anfi­teatro Flaviano, agora conhecido como Coliseu, um dos maiores edifícios do mundo antigo, com lotação de cem mil pessoas assentadas, era dedicado especialmente a esse di­vertimento infernal.
Falemos primeiro dos combates de animais. É de pas­mar o número de animais excitados uns contra os outros e mortos. Já no ano 250 a.C, se menciona a morte de cento e quarenta e dois elefantes num circo (6). No ano 168 a.C, sessenta e três panteras e quarenta ursos e elefantes ser­viram de divertimento aos romanos (7). Desde esse tempo, combates entre elefantes e leões, leões e touros, ursos e ele­fantes, ocorriam tão freqüentemente, que seria fastidioso repeti-los. Contudo, o mal crescia em magnitude à manei­ra que o império progredia,como se pode deduzir do núme­ro quase incrível de animais que se diz terem sido mortos. Cem leões foram exibidos por Sulla e destruídos por lanceiros (8). Em jogos autorizados por Pompeu, no ano 55 a.C, muitos animais foram mortos, entre os quais há men­cão de seiscentos leões e vinte elefantes. Júlio César, no seu terceiro consulado, no ano 45, deu um espetáculo se­melhante, que durou cinco dias, no qual girafas foram pela primeira vez introduzidas, e homens da Tessália combate­ram com touros bravíssimos. O hipopótamo, rinoceronte, o crocodilo e a cobra cascavel foram introduzidos por impe­radores subseqüentes para variar o divertimento. Na inau­guração do grande coliseu de Ti to sacrificaram-se cinco mil animais mansos (9); enquanto Trajano, célebre entre os imperadores romanos pela sua clemência, por ocasião duma vitória sobre os dacianos, matou onze mil animais nas festas que fez para celebrar o fato (10).
Mas não pára aqui. Grande como era o número de ani­mais sacrificados nesses jogos, não era nada, comparado com a multidão de seres humanos que, a sangue frio, eram assassinados para satisfazer os desejos sanguinários e cruéis da população ou, no dizer dum poeta:

"Sacrificavam pobres seres humanos
Para dar um feriado aos romanos".

Deixando de referir aqueles que caíam nos combates com as feras, passamos a mencionar os combatentes cati­vos tomados nas guerras e os escravos, ou criminosos con­denados, entre os primeiros apareciam, às vezes, cidadãos livres, que se alugavam para esse fim. Farrar fornece-nos um esboço verdadeiro destes combates de gladiadores ("):
"E agora entra na arena a garrida plêiade dos gladiado­res, com os seus trajos e ornamentos ricos e variados, pa­rando em frente ao camarote imperial, com os braços le­vantados. Estes bravos exclamam com voz firme: "Salve César! Nós, que estamos para morrer, te saudamos!" Du­rante todo o dia corre o terrível derramamento de sangue humano; o próprio ar parece repleto de orvalho carmesim e do fumo pesado da carnificina. Agora um gladiador atira o seu laço com hábil certeza e o mirmilo desvia-se com um salto de agilidade esplêndida; logo os golpes do atirador, do parmularius, chovem no grande escudo de qualquer sabino; depois os caminheiros. os andatae,excitam gargalha­das, lutando às cegas, com as cabeças metidas nos capace­tes sem viseiras; então segue-se talvez um combate entre negros, ou entre homens e mulheres, ou entre novos e ve­lhos, ou entre mulheres e pigmeus, ou entre combatentes aleijados e estropiados. O ar é cortado duma vozearia es­trondosa quando se ouve o grito de Habet! (Apanhou!), que significa haver sido inflingido qualquer golpe mortal. Algum desgraçado, deixando cair o seu escudo, bem pode levantar o braço para implorar a piedade do povo; a populaça brutal, ébria de sangue, e enlouquecida com o encanto horrível daquele espetáculo, em que seres humanos, como eles próprios, são esfaqueados e feitos pedaços perante seus olhos, não se comove. Pode o valente gladiador, agora caí­do, ter combatido valorosamente, o melhor que soube; bas­ta que tenha sido derrotado para não ser perdoado. A tur­ba, de mãos no ar, com o polegar estendido, dizia que aquela gritaria infernal e confusa era a sentença, proferida por todos, incluindo mulheres e crianças: o pobre gladia­dor vencido tinha de morrer! E morria" (2).
Muitas vezes os gladiadores eram formados em bandos (gregatim) e lançados uns contra os outros. O povo presen­ciava, assim, batalhas renhidas, com a excitação de senti­dos provinda das terríveis cenas de sangue. E, quando já cansados disso, dava largas à sua brutalidade, gritando: "Porque é que ele não morre espontaneamente? Por que é que foge da espada? Matai-o! Queimai-o! Desfazei-o!" Para que outro fim serviam os desgraçados? Eles, ou eram escravos, e criminosos condenados à morte, ou gladiadores legais. Estes haviam jurado ao seu lanista deixar-se quei­mar, amarrar, esfaquear, desfazer, conforme fosse preciso. Além disso, anunciara-se nos cartazes, para maior atração do povo, que os combates seriam sem quartel (sine missione). Os moços, os criados tocavam com um ferro em brasa nos caídos para ver se estavam ou não mortos.
Seguia-se uma pausa. Por um momento os espectado­res, cujo partidarismo cruel se acha altamente excitado, descansam. Enquanto entre eles sente-se o cheiro de vinho e açafrão, criados vestidos de roupas cinzentas espetam ganchos de ferro nos corpos dos gladiadores mortos e os arrastam ao spoliarium, que já se acha quase cheio de cadá­veres; outros endireitam a terra, e escravos etíopes espalham serrim branco ou areia branca sobre as horríveis manchas de sangue coalhado para evitar que o terreno fi­que escorregadiço.
Feito isso, os portões das jaulas de animais ferozes abrem-se de repente: e para fora salta uma multidão de leões, ursos, tigres, panteras e javalis, provocados a um excitamento louco pelo medo, pela fome e pela tortura; atiçados de maneira a se despedaçarem uns aos outros peran­te o público. Mas o espetáculo ainda não acabou. Depois disto um desgraçado qualquer, vestido como Múcio Scaevola, queima a sua mão na chama sem um grito de dor; ou­tro, imitando Hércules, trepa à sua pira funéria e se re­duz a cinzas; outro, à maneira de Laureolo, é dependurado numa cruz e devorado pelas feras: ainda outro miserável é queimado na túnica molesta, uma camisa embebida em alcatrão; finalmente, um infeliz é amarrado a um pau e estropiado por um urso faminto: alguns são cobertos com peles de animais bravios e caçados por cães de fila.
Para cúmulo, no meio de gritos ferozes: "Cristãos às feras!" um velho ou uma gentil donzela permanece imóvel ante o rugido de leões da Líbia, que devoram a vítima para gáudio da multidão selvagem.
"Enfim o sol se põe sobre o lúgubre dia feriado romano, no qual miríades de cidadãos ficaram bem inebriados de deleites com a angústia e a carnificina, e vão para os seus banquetes ainda intoxicados com os vapores da matança, com o veneno da crueldade sensual a ferver-lhes no san­gue, sem um único suspiro de compaixão pela perda de to­das aquelas vidas humanas, admiráveis de força, de cora­gem, de destreza heróica, e de paixão. Seriam inimigos? Não! Só o maldito costume lhes podia haver tisnado os co­rações, que, presos duma paixão contagiosa, os fazia in­sensíveis e surdos à barbárie representada por essa horrível hecatombe cruel e criminosa. Não, não eram inimigos; eram objetos de divertimento".
Lipsio, grande autoridade nesse assunto, calcula que os combates do Coliseu custavam de vinte a trinta mil almas por mês, e acrescenta, que nunca guerra alguma custou tantas vidas como esses jogos. Quando refletimos que a multidão de espectadores ansiosos incluía todas as classes, desde o imperador ao escravo mais baixo - o nobre, o sena­dor, o sacerdote, a esposa, a virgem - que toda a pompa e pureza, toda a rudeza e brutalidade do império, fazia parte da multidão que se premia para saciar os olhos de sangue, e exultar nos gritos e gemidos dos feridos e moribundos, não podemos ter dificuldade em calcular a condição moral do povo sob a influência do paganismo no adiantado e civi­lizado século, ou período de Augusto (n).
Os limites desta obra impossibilitam-nos de aludir a todos os males do sistema pagão, que são vistos nos seguin­tes exemplos da depravação moral: O praguejar é reco­mendado, se não pelos preceitos, ao menos pelo exemplo dos melhores moralistas pagãos - especialmente Sócrates, Platão e Sêneca, em cujas obras ocorrem numerosas pra­gas. Muitos deles não somente advogam o suicídio, como Cícero, Sêneca e outros (14), mas levavam consigo os meios, de se destruírem, como o fizeram Demóstenes, Catão, Bru­to, Cássio e outros. A verdade entre muitos, e mesmo entre os melhores autores pagãos, era de pouco valor, porque ensinavam que, em muitas ocasiões, "uma mentira era preferível à verdade"! Para fundamentar esta terrível afir­mação, Home cita muitas passagens de escritores pagãos (15).
Mais uma afirmação acerca da condição moral e social da humanidade sob o sistema pagão, e terminaremos este assunto. A escravidão, sistema de comprar, vender e reter em seu poder seres humanos, vigorava em todo o mundo pagão. Alguns podem objetar que a escravidão era permiti­da pelo Todo-poderoso sob a dispensação da Lei. Ê verda­de que a economia mosaica permitia uma espécie de servi­dão, porém a instituição diferia essencialmente da que prevalecia nas nações pagas.
A servidão entre os judeus podia provir, legalmente, do cativeiro na guerra, ou da insolvência, ou incapacidade de fazer a restituição em casos de roubo. No primeiro caso, é muito provável que o cativeiro moderado fosse um ato de misericórdia no tempo de Moisés. As mutilações horríveis e outras crueldades praticadas nos cativos eram tão co­muns entre as nações pagas, que o cativeiro entre os judeus era uma situação preferível. Nos outros casos, a escravidão era permitida como castigo; da mesma maneira que a in-solvência fraudulenta e o roubo são punidos entre nós, to­lhendo-se a liberdade aos criminosos e recolhendo-os à pri­são.
O ato de escravizar um indivíduo (exceto nos casos acima), ou vendê-lo ou tê-lo como escravo, é punido pela lei de Moisés (16).
Ao contrário dos escravos entre os pagãos, a Lei judaica prescrevia que os escravos tinham de ser tratados com humanidade (17). Este preceito é reforçado pelo argumento:
 "Porque os filhos de Israel são meus servos, que eu tirei da terra do Egito".

Os escravos não deviam ser punidos severamente; e quando morria um servo, o senhor podia sofrer castigo (18). Se um senhor tirasse um olho, ou dente ou um membro de seu escravo; este devia receber liberdade (19). Tinham direi­to a descanso e a privilégios religiosos em cada dia de sába­do ou de festa, de maneira que um sétimo do seu tempo, pelo menos, ficasse livre de trabalho (20). Deviam ser convi­dados para certas festas (21). Deviam receber alimentação adequada (22). O senhor era obrigado a velar pelo casamen­to de uma serva, ou a tomá-la ou dá-la a seu filho (23). O servo de origem hebréia não podia ser escravo mais de seis anos; findos estes, ele devia ser despedido com sua mulher e com presentes de valor considerável (24). Ainda antes de expirados os seis anos, os escravos podiam resgatar-se ou ser resgatados por outrem, por compra, por quantia ade­quada aos anos de serviços restantes (25). No ano do Jubileu, ao som das trombetas de prata, todos os servos hebreus ou escravos de nascimento tinham permissão de possuir propriedades (26).
Um escravo fugido de outra nação, que procurasse refú­gio entre os hebreus, devia ser recebido e tratado com cari­dade e não ser mandado de volta (27). Vemos, portanto, que os escravos de descendência hebréia eram, entre os judeus, um pouco menos que os aprendizes entre nós. O estrangei­ro aprisionado na guerra recebia melhor tratamento que podia esperar se caísse nas mãos dos pagãos idolatras.
Não se deve passar por alto que a dispensação mosaica era temporária e imperfeita(28). Como Jesus explicou que o divórcio era permitido por Moisés, devido a dureza do co­ração, assim também uma servidão moderada era permiti­da, devido à cobiça, mas permitida com misericórdia para os cativos.
Quanto à escravidão praticada por cristãos professos, diremos algumas palavras no próximo capítulo.
Agora passamos a descrever muito resumidamente a condição dos escravos de senhores pagãos, particularmen­te na Grécia e em Roma.
O costume era mundialmente permitido e aprovado; não há um só filósofo que o tenha reprovado. Muitos dos mais célebres filósofos tinham escravos. Até Platão, no seu livro Estado Perfeito, deseja somente que os gregos não se­jam escravizados. Na Ática, um distrito pouco maior que uma província portuguesa, houve em certa ocasião 150.000 escravos. A história informa-nos de que, em Roma, um tal Scauro tinha 8.000 escravos, e um senador romano, no rei­nado de Augusto, quando morreu, deixou 4.116 escravos. No reinado de Júlio César, os escravos eram, em número, superior aos livres, e essa proporção mais tarde assumiu aspecto tão alarmante, tanto na Grécia como em Roma, que os escravos foram proibidos de usar roupa distintiva, a fim de não conhecerem a sua superioridade numérica. Pelas leis de Roma, os escravos eram considerados "bens móveis": eram comprados, vendidos, trocados, sem restrição alguma, e podiam ser punidos à vontade de seu senhor, e assassinados por ele ou por sua ordem. Não pos­suíam mais direitos legais que um cavalo ou uma vaca, se é que estes animais os tenham. De qualquer tratamento que recebessem, não podiam apelar para nenhum tribunal, salvo se algum cidadão humanitário permitisse que o apelo fosse feito em seu nome. A propriedade do escravo era pro­priedade do seu senhor. Não se pode dizer que a mulher do escravo era também propriedade do seu senhor, porque a lei romana considerava o escravo como incapaz do casa­mento legal e, portanto, não tinha mulher. Seus filhos per­tenciam ao seu senhor e eram vendidos ou trocados. Se ti­nha de comparecer no tribunal, o seu depoimento podia ser arrancado com torturas.
É verdade que houve leis feitas para reprimir a cruelda­de com os escravos; porém, como o escravo não tinha o di­reito de apelar para a lei, de que lhe servia essa lei? Algu­mas delas mostram a vil condição a que estavam reduzidos os escravos; uma obrigava os senhores a darem a cada es­cravo um arratel de trigo diariamente; outra impedia a mutilação dos membros e da língua; outra tirava o direito que os senhores tinham de os obrigar a combater com as fe­ras nos circos, exigindo, para esse fim, licença das autori­dades judiciais; ainda outra proibia a sujeição forçada de escravos à prostituição. De um tal Pólio, cavaleiro do tem­po de Augusto, consta que foi censurado por atirar os es­cravos vivos ao seu lago para sustentar lampreias, que de­pois se aprazia em saborear na sua mesa! (29)
Era costume, entre as pessoas de posição, acorrentarem escravos nus nas portas dos seus palácios, como se fossem cães-vigias. A história de Lázaro, apontado no Novo Tes­tamento, é uma alusão a Roma no apogeu da sua civiliza­ção. "Os cães vinham lamber-lhes as úlceras". Sim, os cães são mais compassivos que o homem quando este tem o espírito completamente apartado de Deus. Não é uma acusação. O dever daqueles cães-vigias humanos, acorren­tados, feridos e sem esperança, era avisar a família no caso de tentativa de assassinato (ocorrência diária naquele tempo). Naturalmente, como a gratidão não poderia in­fluir no escravo, recorriam às ameaças; o cão-vigia morre­ria, se o seu senhor sofresse dano. O escravo tinha de esco­lher entre a morte pelo assassínio, se fosse fiel; ou a morte pelo seu senhor, se não agisse. A história, incidentalmente, menciona dois destes casos, num dos quais dois escravos de Pedânio Secundo foram assassinados (10).Resumamos o exposto, para o concluir.
Apresentamos aos leitores as principais feições do pa­ganismo, sistema que dominou o mundo no período de Au­gusto. Descrevemos resumidamente o caráter daquele sis­tema, a sua natureza politeísta, sacerdotal e cerimonial. Referimo-nos à crassa obscenidade e falamos da crueldade flagrante de seus ritos. Esforçamo-nos por dar uma idéia real da condição moral e social do mundo sob a influência do paganismo e dos seus efeitos sobre a moralidade e a feli­cidade das crianças, das mulheres, dos governantes, do povo livre e dos escravos.
O quadro é verdadeiramente negro e revoltante; quem quer que leia a história daqueles tempos com atenção, fica­rá convencido de que o gênero humano, com poucas exce­ções, tinha-se tornado o mais degradante, o mais pecador, o mais ignorante da verdade, o mais cruel e, enfim, o mais vingativo que é possível imaginar-se. A vingança, tanto pública como particular, chegava a ser uma virtude. A guerra, o morticínio e a violência conferiam as maiores gló­rias; o pudor e a decência, tanto pública como particular, tinham desaparecido; a crueldade e a ferocidade do povo era tal que o sangue derramado para seu prazer saciaria uma comunidade de tigres.
Qualquer coisa que hoje provocaria um tumulto, se  tentasse fazer naquele tempo provocava desordens, se quisesse impedir a sua execução. Além disso, não havia  segurança individual: todos, para onde quer que fossem, an­davam sempre armados; precaução necessária em vista dos assassinatos e envenenamentos que ocorriam diaria­mente. O povo não se envergonhava de rogar aos deuses que auxiliassem seus punhais e suas taças de veneno, no conseguimento do que pretendiam. Os homens de pensar, desejavam, esperavam e olhavam para alguém, que não conheciam, que os viesse libertar, horrorizados que esta­vam pelo que assistiam. Cada deus que os pagãos podiam inventar ou copiar das nações conquistadas, tinha os seus altares e os seus templos, e a esses deuses pediam alívio. Desciam da semelhança de Deus para a semelhança do ho­mem corruptível, das aves, dos quadrúpedes, e deificavam até lugares imundos, moléstias, paixões, bicharia e vícios: tinham perdido toda a esperança de remédio, de solução.
A opinião de Platão, já citada, era de que "os homens tinham-se tornado mais baixos do que os animais mais vis". Plínio escreve: "Não há nada certo sobre a Terra e nada é tão miserável e no entanto tão orgulhoso como o ho­mem". Tácito prevê o fim do mundo, "por causa da cor­rupção da humanidade". Sêneca escreve: "Tudo está re­pleto de crime, e o vício abunda em todo o lugar; o mal praticado excede às possibilidades de qualquer remédio; a luta e a confusão tornam-se desesperadas. Ao passo que a luxúria se degenera em pecado, a vergonha está desapare­cendo com rapidez; a veneração pelo que é puro e bom é desconhecida; cada um cede aos seus próprios desejos. O vício já não permanece secreto, é público; a depravação tem avançado de tal maneira, que a inocência torna-se, não somente rara, mas desconhecida" (31).
É difícil imaginar e impossível descrever a corrupção abominável daqueles tempos. "A sociedade", diz Gibbon, "era um caos pútrido de sensualidade". Era um rio do in­ferno, de paixões diabólicas e com sede de sangue como uma horda de animais ferozes. As paixões ultrapassavam as que provocaram a ira do Céu, quando Deus cobriu o mundo com água ou destruiu com fogo as cidades da Planície. Paulo, na sua epístola à igreja que se fundou entre este mesmo povo romano, refere-se a algumas formas de iniqüidade praticadas por ele.
Comparando com o nosso tempo, observa-se uma dife­rença sensível, tanto no que diz respeito à moralidade como à condição social de todas as classes. Agora há mais segurança, mais virtude, mas conforto e mais felicidade na sociedade e na família. A que se deve atribuir tal diferen­ça? Não à civilização, nem ao cultivo das artes e letras, nem ao estudo de filosofia, porque, notai! tudo isso tinha chegado à perfeição no mundo antigo, no qual prevalecia, no entanto, depravação e maldade.
O período de Augusto tem-se tornado proverbial como declaramos no princípio, pelo incentivo dado às belas ar­tes, à literatura e à ciência. Não temos hoje escultores cu­jos trabalhos excedam aos de Fídias e de Praxíteles; nem arquitetura que se possa dizer superior ao Partenon de Atenas ou ao Fórum de Roma; nem poeta épico como Virgílio, nem lírico como Horário; os nossos pensadores profundos nenhum excede a Platão e a Sêneca; também não temos historiadores mais talentosos que os Plínios, os Tácitos, os Salústios e os Plutarcos; nem ator como Róscio; nem orador que exceda a Cícero.
A nossa condição aperfeiçoada deve, portanto, ser atri­buída a qualquer outra influência que não a da simples li­teratura, da civilização ou do cultivo das artes; e a lição que se tira parece ser que "o mundo não pode conhecer a Deus pela Sabedoria" (32). As considerações de Blackburn, aplicadas ao grande império Assírio, que quase desapare­ceu antes da fundação de Roma, são também aplicáveis a Roma, à Grécia, e a todos os impérios pagãos de outrora.
"É evidente que a natureza humana entre os assírios não estava, física ou intelectualmente, num estado infan­til, ou atrofiada. Se contemplarmos as suas formas nas es­culturas ou painéis dos nossos museus, devemos reconhe­cer que os seus corpos estavam primorosamente desenvol­vidos e que têm o aspecto de uma raça valente, apropria­damente comparada pelo profeta a leões, no seu aspecto e porte majestoso. E se notarmos o progresso intelectual, como o atestam as suas descobertas da astronomia; o seu gosto pelas artes; os seus conhecimentos e habilidade nas indústrias; o seu poder e aprumo nas armas, devemos con­fessar que não lhe descobrimos a menor inferioridade inte­lectual. E apesar de todas estas vantagens, o que eram eles? Avarentos, depravados, bêbados, desordenados, opressivos e cruéis. As cenas de refinamento, esplendor e magnificência que os cercavam, talvez dessem graça e dig­nidade às suas maneiras, mas não davam pureza aos seus caracteres, nem bondade aos seus corações.
"Como todas as grandes nações de outrora que os cer­cavam ou lhes sucederam, os assírios eram vítimas da ig­norância, do vício da guerra e do despotismo. O primeiro alvo de todos os governos - a felicidade do povo - nunca foi considerado pelos seus governantes; e, por conseqüência, os governados eram os instrumentos dos príncipes sangui­nários e dos sacerdotes idolatras, que colocavam a felicida­de e a glória nacional em despojos militares e em prosélitos constrangidos. A escravidão que impunham aos seus des­graçados prisioneiros era muitas vezes mais amarga que a morte. É, na realidade, evidente, em face de toda a histó­ria, quer de nações, quer de indivíduos, que o simples co­nhecimento das artes e das letras não é suficiente para re­novar o coração ou melhorar a vida dos que os cultivam. Homens eminentes nas artes e nas letras tem havido, des­tituídos de senso moral, e escravos dos vícios mais baixos, vis e degradantes. Não obstante terem vivido entre as ce­nas mais belas da natureza e da arte, todas as influências suaves e edificantes do que é belo e sublime têm passado por eles em vão, e os países mais belos têm testemunhado os crimes mais repelentes. Conquanto nos regozijemos pelo progresso das artes, da ciência e da literatura entre nós e folguemos de ver os museus, galerias de pintura, escolas de arte, parques, jardins de recreio e zoológicos, tudo destina­do ao povo, mesmo sabendo que tais distrações desviam a atenção das massas de coisas grosseiras e prejudiciais, en­tendemos que tudo isso não impede sejam os corações alti­vos e egoístas, sensuais e ímpios; capazes tanto de manifestar misantropia, como rebelião insolente contra o Altís­simo.

"É somente pela influência da Verdade divina no cora­ção, que o homem pode ser restaurado à uma feliz confor­midade com o caráter moral de Deus." 

EXTRAÍDO DO LIVRO:
AS CATACUMBAS DE ROMA - BENJAMIM SCOTT











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